Introdução e Faixas Etárias
Nesta orientação clínica abordaremos recomendações atuais em pediatria e medicina desportiva, dividindo-as em três faixas etárias distintas – crianças (pré-púberes, 6-12 anos), adolescentes em puberdade inicial (aprox. 12-15 anos) e adolescentes tardios (16-18 anos). Para cada faixa etária serão descritos os tipos de desporto recomendados, a adequação do treino (incluindo musculação), a alimentação apropriada (e suplementos nutricionais quando indicados) e a abordagem clínica em consultório, incluindo exames de diagnóstico complementares para prática desportiva segura. Também são destacadas considerações especiais para modalidades específicas, nomeadamente futebol, atletismo, patinagem e dança, dado seu destaque na prática desportiva juvenil.
Pontos-chave gerais: Em qualquer idade, a atividade física traz benefícios à saúde física e mental dos jovens, devendo ser incentivada de forma segura e adaptada ao estágio de desenvolvimento. Abaixo, detalhamos as recomendações por faixa etária, seguidas de exemplos de planos de treino e de alimentação, e por fim os procedimentos de avaliação médica e exames periódicos para garantir a segurança e o bom rendimento desportivo.
Crianças até 12 anos (Pré-púberes)
Nesta fase, o foco deve estar no desenvolvimento global da criança, através de atividades físicas lúdicas e variadas, priorizando a diversão, a aprendizagem motora e a socialização ao invés de competição intensa. A maioria das crianças não está pronta para desportos organizados antes dos 6 anos, devido à imaturidade das habilidades motoras, cognitivas e da atenção. A partir dos 6 anos, pode-se introduzir desportos de forma recreativa e pedagógica.
Desportos Recomendados e Atividade Física Diária
Variedade e caráter lúdico
Dos 6 aos 9 anos, recomenda-se expor as crianças a atividades diversificadas, desenvolvendo habilidades básicas (correr, saltar, nadar, arremessar, equilibrar) de forma divertida. Boas opções incluem natação, dança, ginástica, jogos pré-desportivos (como futebol ou basquete recreativo), corridas curtas, patinagem, ciclismo, artes marciais não competitivas, etc. Essas modalidades “básicas” e completas contribuem para a coordenação motora geral e evitam especialização precoce, que não é recomendada. O importante é que a criança se divirta – estudos mostram que “divertir-se” é o principal motivo pelo qual crianças querem praticar desportos.
Intensidade e duração:
De acordo com diretrizes internacionais, crianças ativas de 6 a 12 anos devem acumular pelo menos 60 minutos diários de atividade física moderada a vigorosa. Esse tempo pode ser fracionado ao longo do dia e incluir brincadeiras ativas no recreio, jogos ao ar livre, etc. Além disso, recomenda-se incluir, pelo menos 3 dias por semana, atividades mais intensas que fortaleçam músculos e ossos (por exemplo, saltos, correr, escalar em recreio).
Competição e regras
Antes dos 8-9 anos, a ênfase não deve ser em competição ou desempenho, pois as crianças menores não têm maturidade para compreender regras complexas ou lidar com pressão competitiva. Até cerca dos 9 anos, o aconselhável é que a participação tenha caráter educativo e cooperativo, com regras simplificadas e sem objectivo de vitória. A partir dos 10 anos, gradualmente podem ser introduzidas competições leves, mas mantendo o foco na aprendizagem e no trabalho em equipa.
Futebol e desportos coletivos
No caso específico do futebol e outros desportos de equipa, eles podem ser introduzidos em escolas a partir dos 6 anos de forma recreativa. Nessa idade, os jogos são curtos e a vitória é secundária; foca-se em habilidades básicas (chutar, passar) e convivência. Até os 12 anos, o treino de futebol deve priorizar coordenação, controlo de bola e trabalho em grupo, com baixo volume de treinos semanais (ex.: 2 vezes por semana) e pelo menos 1-2 dias de descanso sem treino estruturado. O mesmo vale para basquete, handebol etc., respeitando os limites físicos da criança.
Atletismo (corrida, pista e campo)
Para crianças, atividades de atletismo devem ser adaptadas. Corridas curtas, brincadeiras de velocidade ou revezamento são recomendadas, mas treinos formais de corrida de longa distância não são apropriados antes da puberdade. O excesso de impacto repetitivo pode sobrecarregar as cartilagens de crescimento; portanto, eventuais participações em corridas devem ser recreativas e de distância condizente com a idade (por exemplo, “corridas infantis” de 50m, 100m). Saltos e lançamentos podem ser ensinados de forma lúdica, sem exigir técnica apurada ou altura/distância máximas.
Patinagem e dança
Patinagem (no gelo ou em rodas) e dança são atividades frequentemente iniciadas na infância, pois desenvolvem equilíbrio, ritmo e flexibilidade. Nessa faixa etária, devem ser conduzidas como diversão e expressão corporal. A carga de treino deve ser baixa a moderada. Por exemplo, aulas de ballet ou dança 2-3 vezes por semana, com duração compatível com a concentração da criança (45 minutos), são suficientes. Deve-se evitar exigências físicas excessivas (como treinos prolongados ou posturas que forcem as articulações) antes do desenvolvimento adequado. No ballet, por exemplo, não se deve iniciar pontas (sapatilhas de ponta) antes de ossos e músculos dos pés amadurecerem (geralmente >11-12 anos). Na patinagem artística, evitar saltos de alto impacto repetitivo em crianças muito jovens. Use sempre equipamentos de proteção adequados (capacete, joelheiras, cotoveleiras) principalmente na patinagem em rodas.
Dias de descanso e prevenção de lesões
É fundamental que a criança tenha dias livres na semana. A AAP (Ginásio Americana de Pediatria) orienta ao menos 1 a 2 dias off por semana de desportos organizados, para prevenir lesões por overuse (uso excessivo) e burnout. Nessas folgas, a criança pode realizar brincadeiras livres (andar de bicicleta, jogos espontâneos) ou simplesmente descansar. Além disso, não é recomendado que crianças treinem mais horas na semana do que sua idade em anos (por exemplo, uma criança de 10 anos não deve ter >10 horas/semana de treino estruturado), pois volumes excessivos estão associados a lesões e queda no rendimento escolar.
Aquecimento e alongamentos
Deve-se estimular desde cedo o hábito de um aquecimento dinâmico antes de desportos (correr leve, pular à corda, movimentar articulações) e alongamentos leves no final, de forma lúdica. Isso ajuda na prevenção de lesões e cria boa rotina. Exercícios básicos de desenvolvimento motor (pular em um pé só, “polichinelos”, circuitos de agilidade) podem ser usados como aquecimento brincando.
Treino de Força (Musculação) na Infância
Mitos e evidências atuais: Havia antigamente o receio de que a musculação prejudicasse o crescimento infantil, mas as evidências científicas atuais refutam essa ideia. Pelo contrário, a infância e a adolescência são consideradas períodos oportunos para desenvolver ossos e músculos; exercícios de resistência apropriados podem melhorar a saúde óssea e a força muscular sem afetar negativamente o crescimento linear. Ou seja, com supervisão e carga adequada, o treino de força é seguro na população pediátrica, além de contribuir para saúde cardiovascular, composição corporal e densidade mineral óssea. Com conhecimento, poderemos definir estratégias: idade para iniciar, como fazer, frequência e duração, supervisão profissional, benefícios esperados, cuidados e atenção para problemas específicos.
Alimentação Adequada e Suplementação para Crianças Ativas
Princípios gerais da dieta: Crianças desportistas normalmente conseguem suprir as suas necessidades energéticas e nutricionais através de uma alimentação equilibrada, semelhante à recomendada para qualquer criança saudável. Deve-se oferecer refeições contendo carbohidratos complexos, proteínas magras e gorduras saudáveis, além de frutas, legumes e laticínios. Os macronutrientes são a base do combustível e matéria plástica para a atividade física e desenvolvimento: carbohidratos; proteínas e gorduras. Definir o valor das calorias e planear refeições frequentes. Conhecer os micronutrientes que merecem uma atenção especial: Cálcio e Vitamina D, Ferro, etc. Saber o valor da hidratação e o tipo de bebidas a escolher. Conhecer as orientações específicas para antes/depois do exercício. Saber o que são e para que servem e quando usar os suplementos nutricionais. Conhecer situações especiais (exemplo nas restrições alimentares (ou regimes vegetarianos). Evitar bebidas energéticas e saber usar os isotônicos comerciais ou gel de carbohidratos.
Exemplo de plano semanal de atividades para crianças (até 12 anos):
Segunda-feira
- Futebol recreativo (treino leve 1h)
- Escola de futebol 2x/semana – foco lúdico
Terça-feira
- Brincadeiras ao ar livre (bicicleta, correr no parque)
- ≥60 min de atividade moderada (livre)
Quarta-feira
- Aula de natação (45 min)
- Desenvolver coordenação e segurança aquática
Quinta-feira
- Dia livre de desporto organizado
- Brincar no recreio, descanso ativo
Sexta-feira
- Aula de dança infantil (1h)
- Estimula ritmo, flexibilidade e socialização
Sábado
- Passeio em família de bicicleta (1h) ou jogo de queimada
- Atividade familiar divertida
Domingo
- Descanso / Lazer leve
- Caminhada curta, alongamentos leves
Exemplo de plano alimentar diário para crianças ativas (10 anos, 2000 kcal):
Café da Manhã (7h30)
1 copo de leite semidesnatado (250 ml) + 4 colheres de sopa de cereal integral tipo aveia ou granola + 1 banana. (Fonte de carbohidratos, proteínas e cálcio)
Lanche da Manhã (10h)
1 fruta (maçã) + 2 biscoitos integrais. (Energético leve antes do recreio)
Almoço (12h30)
Arroz e feijão (1 concha pequena cada) + 1 bife magro grelhado (100 g) + salada de alface, tomate e cenoura ralada temperada com azeite + 1 porção de brócolos no vapor + 1 fatia de melão de sobremesa. (Refeição balanceada: carbohidratos, proteína, vegetais e frutas)
Lanche da Tarde (16h)
1 iogurte natural com 1 colher de sopa de mel + 1 porção de amêndoas. (Proteína, cálcio e gorduras boas para recuperação pós-atividade)
Jantar (19h30)
Macarrão tipo penne (1 prato raso) ao molho de tomate com peito de frango desfiado e legumes picados (abóbora, pimento) + 1 copo de sumo natural diluído. (Carbohidratos para repor energia + proteína magra + vitaminas dos legumes)
Ceia (21h, se houver fome após atividade intensa)
1 copo de vitamina de frutas (leite + banana + morango). (Auxilia na recuperação noturna)
Obs.: Ajustar porções conforme apetite individual. Oferecer água ao longo de todo o dia (pelo menos 1,5 L ao dia, mais se houver sudorese intensa).
Adolescentes 12-15 anos (Puberdade Inicial)
A faixa dos 12 aos 15 anos abrange o período da puberdade, marcado por mudanças aceleradas – estirão de crescimento, desenvolvimento sexual (Tanner II-IV) – e aumento significativo da capacidade física. Nessa idade muitos jovens passam do desporto recreativo para treinos mais estruturados e eventualmente início de competições escolares ou federadas. A orientação clínica deve equilibrar a vontade de aprimorar o desempenho com os cuidados para não prejudicar o crescimento nem a saúde mental do adolescente.
Desportos e Treino na Puberdade
Continuidade na variedade versus especialização, quando aumentar a intensidade de treino, treinos técnicos e táticos. Considerações por modalidade: futebol, atletismo, patinagem e dança. O valor do aquecimento, alongamentos e recuperação.
Treino de Força (Musculação) na Adolescência (12-15 anos)
Evolução do treino, orientações de carga e séries, frequência e integração com desporto, supervisão e técnica contínua, benefícios, possíveis riscos.
Alimentação e Necessidades Nutricionais na Adolescência (12-15 anos) necessidades aumentadas, macronutrientes e equilíbrio, Ferro e saúde das meninas, Cálcio e vitamina D, refeições e horários, hidratação em treinos prolongados, controlo de peso e imagem corporal na evidência de que nenhum desempenho vale comprometer o crescimento ou a saúde reprodutiva do jovem, suplementos e ergogênicos na adolescência, suplementos proteicos (whey, etc.), creatina, cafeína e pré-treinos, vitaminas e minerais, outros (BCAA, glutamina, etc.), doping e substâncias proibidas.
Exemplo de plano semanal de treino para adolescente 12-15 anos (futebolista em época de competição):
Segunda-feira
- Treino físico/técnico (1h30) + Musculação (30min)
- Ginásio: 2 séries de 12 repetições para pernas
Terça-feira
- Treino técnico/tático leve (1h)
- Enfoque em fundamentos, baixo impacto
Quarta-feira
- Descanso ativo (alongamentos, caminhada)
- Recuperação – sem treino intenso
Quinta-feira
- Treino coletivo (1h30) + exercícios de velocidade
- Sprints curtos e drills de agilidade no final
Sexta-feira
- Musculação (45min) + Treino técnico (1h)
- Ginásio: membros superiores e core
Sábado
- Jogo amistoso/campeonato (2 x 30min)
- Dia de competição – aplicar recuperação pós-jogo
Domingo
- Descanso total
- Refeições reforçadas, lazer com família
Obs.: Nos dias de treino duplo (ex: seg, sex), garantir intervalo adequado entre musculação e treino técnico, com lanche de recuperação intermediário
Exemplo de plano alimentar diário para adolescente (15 anos) em dia de treino:
Café da Manhã (7h)
Omelete com 2 ovos + 1 fatia de pão integral com queijo + 1 copo de sumo de laranja natural. (Proteína, carbohidrato complexo e vitamina C para começar o dia e reserva de energia)
Lanche da manhã (10h)
1 barrinha de cereais + 1 banana. (Carbohidratos de rápida disponibilidade antes do treino físico da educação física ou treinos matinais)
Almoço (13h, pós-escola)
1 prato médio de macarrão ao sugo + peito de frango grelhado (150g) + salada mista (alface, tomate, cenoura) com azeite + 1 copo de limonada. (Refeição principal com alto teor de carbohidratos para repor glicogênio, proteína magra e micronutrientes)
Pré-treino (15h30, 1h antes do treino)
1 iogurte líquido + 1 punhado de uvas passas. (Carbohidratos de médio índice glicêmico e um pouco de proteína, fácil digestão)
Durante o treino
Água à vontade; pequenas porções de isotônico (até 500 ml no total) se muito suado ou em treino > 1h.
Pós-treino (18h, logo após)
1 copo (300ml) de leite achocolatado OU shake de whey protein com banana. (Proteína + carbohidrato de absorção rápida para recuperação muscular imediata)
Jantar (20h)
Arroz integral (4 colheres) + feijão (1 concha) + carne moída com abóbora (ou outra combinação carne magra + legumes) + couve refogada + 1 laranja de sobremesa. (Refeição equilibrada para reposição final do dia, com ferro heme da carne e vitamina C da laranja para auxiliar absorção)
Ceia (22h, se houver fome)
3 bolachas crackers + 1 xícara de chá de camomila. (Lanche leve para não treinar nem dormir de estômago vazio, evitando alimentos muito pesados à noite)
Obs.: Nos dias sem treino intenso, pode-se reduzir um pouco os carbohidratos extras (como a porção de isotônico ou o lanche pós-treino calórico). Manter hidratação 2 litros/dia.
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